Final do Primeiro Tempo

Má Oliveira

 

É tão irrelevante se meus cabelos insistem em não manter a antiga cor...

já não me incomodo em ver no rosto, traços e linhas, que até ontem, não estavam ali...

O que me faz falta é o mundo que eu tinha...

onde a gente podia brincar na rua

uma caixa de papelão virava carrinho e a gente se divertia, deslizando morro abaixo

a bola caia na casa do vizinho, ele devolvia

e ainda nos sorria...

as pessoas se davam bom dia!

toda manhã, nas escolas, cantavamos o Hino Nacional e a gente arrepiava...

Patriotismo era coisa natural...

Professor era Senhor...

Amar e respeitar os pais era espontâneo

No meu tempo, crianças não eram espancadas e nem viviam abandonadas pelas calçadas...

Sou do tempo em que se podia ir pra escola sozinha...

É... não fui eu que envelheci...

Quem envelheceu foi o mundo...

ele se tornou mais amargo, inospede e ranzinza...

Eu?

Eu continuo sorrindo demais...

devolvendo bolas que caem no meu quintal...

me cobro menos...

nunca me disse tanto "sim!"

Não me preocupo tanto com roupas,

perdi a vaidade?

não!

Perdi a futilidade...

Meus seios estão um pouco abaixo de onde eram...

mais nutri três filhos com eles...

Não tenho mais a agilidade de antes...

mas hoje tenho sabedoria pra fazer as mesmas coisas de formas alternativas...

já não me preocupo tanto em ensinar...

me empenho mais em aprender...

assumo mais meus erros, culpo menos o destino...

fui derrotada várias vezes, me abati, mas aprendi...

já não discuto tanto... mas mostro como penso diferente...

aprendi a derrubar muitos muros...

e ainda não sei bem a hora em que devo erguê-los

Mas o mais importante, é que hoje não brinco mais com a vida,

brinco de viver

e estou me saindo muito bem

mais velha, mas mais leve e muito feliz!!!

Quarenta e cinco anos, encerrado o primeiro tempo, dispenso intervalos, "simbora",

o jogo da vida não pode parar.

 

 
Publ. Recanto das Letras 20/11/208 -Má Oliveira -Cód do texto: T1293477